O que esperar do cenário pós coronavírus para as empresas de varejo
A pandemia de coronavírus é um acontecimento que alguns de nós jamais vivenciou (houveram crises também graves como a financeira de 2008 e…
A pandemia de coronavírus é um acontecimento que alguns de nós jamais vivenciou (houve também a pandemia do H1N1). A quarentena imposta no Brasil e diversos outros países representa mudanças profundas em nossos hábitos de vida e os efeitos dessa crise são (e poderão ser ainda mais) evidentes e desafiadores. Toda a economia global será afetada e deverá sofrer grandes impactos. E com o varejo, não é diferente.
A pandemia colocou diversas questões a ser resolvidas pelo setor, muitas delas específicas de cada um dos subsetores do varejo. A despeito dessas variações, o objetivo desse artigo é formular algumas propostas de ações que podem ser implementadas nas empresas para enfrentar esse período com resiliência e se preparar para o mundo pós-coronavírus.
As operações aqui descritas são inspiradas no artigo ‘Defending Retail against the Coronavirus’, publicado no site da consultoria Bain & Company, que realizou uma série de levantamentos e pesquisas sobre o tema para formular um “checklist operacional” em sete passos para o embate aos efeitos da doença sobre a circulação de pessoas e mercadorias e a mudança de hábitos dos consumidores.
Está bastante claro que, antes de qualquer tipo de pensamento comercial ou financeiro, a prioridade zero de qualquer empresa deveria ser garantir a saúde de seus colaboradores e clientes. Assim, é preciso acatar as recomendações das autoridades sanitárias, evitando aglomerações e reforçando medidas de higiene e desinfecção nas lojas e chegando a reduzir horários de funcionamento e até mesmo a fechar estabelecimentos quando necessário.
Em um cenário inédito como vivemos atualmente, não é possível descuidar desse fator. Além disso, mesmo para aqueles que pensem de maneira tão somente comercial e pragmática, os efeitos à imagem da marca em caso de descumprimento de normas pode ser bem mais negativos do que os prejuízos momentâneos causados pelas medidas de isolamento social.
Dito isso, vamos passar às medidas práticas de um plano de resposta de continuidade de negócios que empresas devem tomar nesse período. Em teoria, antes de qualquer crise, qualquer empresa séria deveria ter um plano de continuidade de negócio testado periodicamente. Esse plano contempla o mapeamento de processos, fornecedores, pessoas e sistemas críticos. Em muitos casos, há também a necessidade de um alternate site implementado e testado (isso significa um lugar com máquinas ligadas e atualizadas — afinal a crise não tem hora para acontecer). Um plano de comunicação com stakeholders e um call tree (uma lista atualizada de contatos que temos que acionar e onde ir). Tudo isso mitiga o impacto de uma crise. Ou seja, em um momento de imprevisibilidade, tem-se minimamente um plano a seguir e não entrar em loop.
É muito importante que a empresa desenvolva o BIA (business impact analysis) para aferir valores ($) aos seus processos (quanto é perdido/ganho com cada processo) e posteriormente um time de gerenciamento de crise que tenha as principais liderança da empresa de cada segmento de negócio — para aumentar a velocidade da tomada de decisões. A equipe ficará especialmente responsável por gestão da comunicação, monitoramento das ações e avaliação de indicadores de desempenho. Esse gabinete de crise normalmente faz comunicação diária e inclusive tem uma equipe ligada ao RH que monitora o absenteísmo.
Esse gabinete de crise resultará, como passo seguinte, na criação do que a Bain chama de “modo de crise” nas operações da marca, seja em lojas físicas, seja no online. Como será esse modo de ação vai depender fundamentalmente do subsetor em que a empresa se enquadra. Mercados e farmácias, por exemplo, devem se preocupar com questões de estoque e distribuição e prevenção da doença entre colaboradores. Por sua vez, marcas com lojas físicas fechadas devem buscar reforçar os serviços de e-commerce e entrega.
De uma forma ou de outra, é importante estar atento às variações de interesse do público. Algumas questões são evidentes, como a alta procura da população em geral por álcool gel, sabonete e outros itens de higiene. Há casos, no entanto, de apreensão mais difícil. Por exemplo, como será o gasto da população em categorias não essenciais, como vestuário e bebidas alcoólicas? Qual será o nível de interesse do público por livros? Haverá queda ou aumento da procura por itens para casa?
Se apenas a prática dos próximos dias ou semanas trará esse tipo de respostas, podemos buscar dados que indiquem para que caminho irão os consumidores. Inicialmente, devemos buscar exemplos na China e outros países afetados de modo inicial pelo coronavírus, observando as tendências nesses locais. Também é preciso observar as microtendências de procura do público nos últimos dias para extrapolar como será a travessia da crise. Nesse momento, empresas que já utilizam recursos de inteligência artificial e análise de big data largam na frente.
O “modo de crise” também deve ser implementado em outras partes da cadeia que não as lojas e o relacionamento com o público. A logística de fornecimento, distribuição e entrega será largamente alterada pela pandemia e as restrições de circulação. O principal objetivo nesse caso é a garantia da continuidade de fornecimento, evitando esvaziamento do estoque.
Para isso, é importante dar preferência para a conformação de uma rede de fornecedores internos — de preferência no mesmo estado. Mesmo que isso possa significar certa redução na margem de lucro, o fechamento de fronteiras e divisas pode representar um duro golpe para a logística de muitas empresas. Além disso, a experiência do cliente de não encontrar o produto em estoque é certamente um cenário pior do que uma redução dos ganhos.
Nesse contexto de crise, também é crucial que a empresa mantenha um olhar ainda mais atento sobre as finanças, cuidando do fluxo de caixa e economizando onde for possível. A Bain recomenda ações de contenção, por exemplo, eliminação de treinamentos não obrigatórios, interrupção de contratações de pessoas e fornecedores, revisões da prioridade de projetos e cancelamento de despesas opcionais — mas que nunca ofendem o compliance. Assim, planos de investimento devem ser revistos de modo a evitar gastos desnecessários sem colocar em risco o futuro da empresa.
Por último, devemos estar aptos a “comunicar e colaborar”. Esse tópico vai bem além da proteção da saúde de colaboradores e consumidores que tratei mais acima. Na verdade, o papel da empresa nessa crise vai muito além. Por exemplo, mercados devem auxiliar as autoridades na redução do pânico, desaconselhando clientes a estocar alimentos e outros itens.
Esse ponto também envolve a capacidade da empresa de comunicar as ações que estão sendo empreendidas nesse momento. É importante destacar a implementação de medidas de higiene estritas em toda a cadeia de fornecimento, a proteção aos funcionários e, na medida do possível, o apoio extra às medidas de combate da doença. Aqui no Brasil, temos visto a Natura utilizar seus anúncios na televisão para informar suas ações. Esse tipo de posicionamento sem dúvidas trará efeitos positivos para a imagem da empresa no pós-crise enquanto empresas que não adotem as medidas preventivas preconizadas correm risco de manchar por completo sua reputação.
O cenário para o varejo no Brasil ainda é extremamente incerto, com dúvidas sobre quando e como as coisas voltarão a funcionar normalmente. O que sabemos é que as próximas semanas serão decisivas em diferentes aspectos e é preciso estar preparado para passar por elas. Fato é: todos sabem que esse é um cenário passageiro, mas ninguém sabe com precisão determinar o “até quando”. Para alguns setores, profissionais de vendas e produtos já tentam lucrar ou se adaptar ao problema. Mostrando que sim, onde uns enxergam crise, outros enxergam oportunidade. Para todos, o cenário segue o enredo de estimar impactos na operação/faturamento e refazer projeções para 2020.