Gestão do Medo em uma Transformação Digital
Na semana passada, abordei minhas experiências com processos de transformação digital (TD) nas empresas que trabalhei nos últimos 10 anos…

Na semana passada, abordei minhas experiências com processos de transformação digital (TD) nas empresas que trabalhei nos últimos 10 anos. O que pude constatar, em resumo, é que a TD envolve uma série de mudanças em toda a estrutura e funcionamento das companhias e não pode de forma alguma se restringir a um uso maior de tecnologia e presença das equipes de TI na concepção e realização de projetos.
Entre as mudanças listadas, falei sobre a chamada “gestão do medo”. Ou seja, uma necessidade de maior abertura dos profissionais, especialmente gestores e outras pessoas em cargos de chefia, às mudanças pelas quais a empresa fatalmente passará nos meses e anos seguintes a um processo de transformação digital.
Contudo, ainda que este tópico seja crucial, em muitas ocasiões é exatamente a resistência dos gestores que faz com que a TD planejada não saia como se esperava em um primeiro momento e, em alguns anos, pode significar até mesmo a ruína da empresa que não for capaz de alterar o mindset de seus colaboradores situados em postos-chave (ou de perceber que são esses colaboradores que devem ser alterados).
Hoje, o que a gente ainda se cansa de ver em muitos ambientes de trabalho, inclusive naqueles que dizem estar vivendo momentos de TD, é a figura do gestor que passa mais tempo bajulando chefes. Uma ação fácil de reconhecer é o hábito de alguns gestores em copiar seus superiores em uma série de e-mails irrelevantes apenas com o objetivo de “mostrar serviço” ou “forçar” uma resposta rápida. Enquanto isso, o relacionamento com a equipe — quem realmente interessa — é deixado de lado. E a eficiência e os resultados, obviamente, caem.
Esses gestores também não costumam estar interessados em criar ambientes de trabalho saudáveis para suas equipes. A rotina e os desafios constantes em mercados com ampla concorrência já são um cenário por demais estressante para o colaborador ainda ser obrigado a conviver com um chefe autoritário e que não dá espaço para a equipe se desenvolver.
Pior: há aqueles que parecem querer trabalhar na base da priorização por decibéis, ou seja, faz quem conseguir gritar mais alto, falar mais grosso e demonstrar, na marra, que deve ser a prioridade em uma determinada situação. Na verdade, o bom gestor é aquele que conhece as forças, fraquezas e motivações de cada um dos membros do seu time e designa os responsáveis por cada tarefa a partir daí. Mas principalmente alguém que investe em relacionamentos. Uma frase que é atribuída a Zig Ziglar resume a ideia:
Você não constrói uma empresa. Você constrói um time. E o time constrói a empresa.
Como tentei demonstrar no meu último artigo, essa é apenas uma das muitas situações que precisamos enfrentar no contexto de uma transformação digital, mas ela é uma das mais importantes já que pode atravancar todo o processo, fazer a empresa perder tempo e dinheiro e ainda colocar em risco a permanência de profissionais de alto nível que podem não querer trabalhar com chefes que agem quase como capatazes.
Por isso, mais importante do que cargos — impressiona o número de supervisores, gerentes, diretores e afins que algumas empresas tem — é conseguir construir equipes altamente qualificadas e com gestores que saibam ouvir e responder aos anseios dos seus comandados e não queiram fazer política para subir os degraus da direção da companhia.
A gestão do medo é um claro sinal que a empresa precisa fazer uma gestão das pessoas de maneira diferente. Não por acaso, têm havido grandes progressos em empresas que estruturam o organograma com o RH respondendo direto para o board/conselho da empresa, e não para o financeiro ou para o CEO como normalmente vemos. E o motivo é simples: as pessoas são parte da estratégia da empresa. O gerenciamento desse ativo da empresa é algo que ultrapassa (apesar da necessidade de constante alinhamento) da visão de metas trimestrais, anuais e valores das ações da empresa do c-level.
Para completar, a gestão de pessoas em uma TD é um tema grande e necessário no processo. Por isso, tenho que ser emblemático: não há transformação digital se a empresa não muda a relação com as pessoas. Com os mesmos cargos, mesmos salários e mesmas caixinhas. É preciso pensar em uma nova maneira de se relacionar com as pessoas que fazem a empresa ser o que ela é. E nisso as empresas brasileiras estão apenas engatinhando.
Originalmente publicado no Linkedin em 30 de janeiro de 2019