Mais da cultura corporativa da Netflix
Como prometido na última semana, no artigo de hoje pretendo fazer alguns comentários sobre a política de RH da Netflix. E aproveitando…
Como prometido na última semana, no artigo de hoje pretendo fazer alguns comentários sobre a política de RH da Netflix. E aproveitando para lembrar de novo, esse tema é pauta para o livro Powerful da Patty McCord — que foi recrutadora chefe no Netflix. As medidas implementadas pela gigante de streaming há mais de dez anos são consideradas revolucionárias para o setor e cruciais para a criação da cultura corporativa da empresa.
No entanto, é preciso ponderar alguns fatores antes de pensar que devemos pegar o exemplo da Netflix e tentar aplicá-lo em qualquer empresa de qualquer setor da economia. O primeiro ponto a ser analisado é o tempo. A política da Netflix foi formulada originalmente em 2009. Nesses 11 anos, os profundos avanços tecnológicos alteraram de maneira drástica o mundo como conhecemos e, obviamente, as relações de trabalho e interpessoais.
Mais: nesse período, surgiram diversas tecnologias que mudaram a capacidade de operação do setor de Recursos Humanos, criando outras formas de interação com o quadro de funcionários. Além das inovações tecnológicas, há, porém, outro fator ainda mais relevante a ser observado no modelo Netflix. Na apresentação em PowerPoint da sua cultura corporativa, a equipe de RH da empresa deixa claro que as contratações e dispensas de colaboradores baseiam-se na capacidade técnica das pessoas e na sua capacidade de se adaptar ao modelo da companhia.
Apesar de muito elogiado por garantir maior liberdade aos funcionários, entre outros fatores pela possibilidade de definir seu horário de trabalho e dias de férias de forma mais livre, a política da Netflix, observada por esse prisma, não parece ser geradora de tanta liberdade assim. No final, sempre o “comportamental” ou o cultural fit é um ponto tão importante quanto o técnico em uma avaliação. Independente de como vendem isso para o mercado.
Ao exigir que os colaboradores, novos ou antigos, sigam a política de maneira estrita e abrindo pouco ou nenhum espaço a adaptações na própria cultura da companhia para atender aos anseios do quadro de funcionários ou construir um ambiente de trabalho mais saudável, a Netflix pode acabar por provocar um efeito contrário ao previsto.
No lugar de dar maior autonomia às equipes, como preveem diversos pontos do documento do RH da empresa, a exigência de enquadramento dos colaboradores — em todos os níveis hierárquicos — à cultura pré-determinada da Netflix coloca em risco a possibilidade de surgimento do contraditório, de ideias novas e fora da caixa dentro da companhia, algo tão importante em tempos que pedem alta capacidade de correção de rumos por parte das empresas.
Assim, é importante perceber que, apesar de todo o sucesso, o modelo Netflix não é infalível (nenhum é!) e pode não ser exatamente o que a sua empresa precisa, seja pela antiguidade, seja por suas desvantagens. Não existe, em termos de cultura corporativa, um molde que caiba em todas as empresas. No final, assim como o famoso modelo Spotify, se faz necessário olhar criticamente, usar como inspiração e começar a pensar em um modelo que mais faça sentido para o seu problema.
Cada empresa deve construir sua própria cultura, a partir dos seus valores e experiências, a fim de criar um ambiente saudável para as equipes e atraentes a novas pessoas. Isso não se alcança seguindo um padrão desenvolvido em outro tempo e contexto, mas com base naquilo que se sabe e almeja para a sua empresa em específico.