O valor que tu me deste era vidro e se quebrou
Quando os valores cedem ao lucro: o alinhamento das Big Techs com a política e suas consequências
Esperei um tempo antes de escrever esse texto. Queria ver se algo mais profundo sobre o tema surgiria, alguma novidade relevante que me ajudasse a ir além das primeiras impressões. Não aconteceu. Por isso, compartilho aqui minha percepção, baseada na experiência que tive como CTO e em situações que, nos últimos anos, me chamaram a atenção.
Esse texto não tem a pretensão de fazer previsões nem de ser polêmico. Não quero trazer mais barulho para o LinkedIn ou qualquer outra rede onde você esteja lendo isso. Já tem ruído demais por aí. A ideia aqui é simples: refletir e informar sobre o que o aparente casamento das big techs com a política – especificamente na posse de líderes – pode significar. Quero falar de comportamento organizacional, cultura empresarial e o quanto essa dança com o poder pode nos levar a um caminho perigoso de abandono dos valores que, por duas décadas, moldaram as empresas mais inovadoras do mundo.
De onde viemos e para onde estamos indo.
Até o final dos anos 90, início dos anos 2000, o trabalho tinha um modelo bem claro: você recebia o seu salário e fazia o que tinha que ser feito. Simples. Era tudo transacional. E, curiosamente, havia um nível de transparência nisso que hoje parece raro. Todo mundo sabia o que estava em jogo.
Com o boom da internet e das startups, isso começou a mudar. Não era mais só sobre dinheiro no fim do mês. Surgiram discursos sobre propósito, valores, algo que, na prática, deveria nortear as decisões da empresa e das pessoas que trabalhavam nela. Mais recentemente, esse refinamento cultural trouxe conceitos como inclusão e diversidade, principalmente no Vale do Silício. Claro que, em muitos casos, isso soava mais como marketing do que prática. Mas pelo menos havia uma tentativa – ou uma preocupação mínima em comunicar esses valores.
Agora, o que parece estar acontecendo é um retorno à velha lógica: dinheiro na mesa e ponto final. Só que, dessa vez, sem muita preocupação em esconder.
A ilusão dos valores: casos que desconstroem a narrativa.
Lembro de uma situação em que, ao desligar uma funcionária de uma startup, ela me disse: “Fico triste porque, no começo, o CEO sentava com a gente para almoçar. Ele dizia que não fazia isso por dinheiro, mas por todos nós, para construirmos algo diferente juntos. Hoje eu vejo que fui enganada. Sempre foi só dinheiro.”
Ela foi enganada? Talvez. Ou talvez ela tenha acreditado no que queria acreditar, sem perceber que os valores de uma empresa podem mudar ao longo do tempo – e que nem sempre isso é comunicado claramente.
Outro exemplo: em uma empresa com espaço físico visivelmente insuficiente, o CEO ordenou que todo mundo voltasse ao presencial com a frase: “Se não couber, deixa os caras se matarem um em cima do outro.” Detalhe: a empresa estava batendo recordes em vendas no modelo remoto, e o mesmo CEO, que mal aparecia no escritório, pregava valores como flexibilidade e bem-estar nas reuniões.
O que esses exemplos mostram é um padrão recorrente: cultura e valores são bonitos no discurso, mas, na prática, muitas vezes são apenas uma fachada. Quando a prioridade vira dinheiro ou poder, fica claro que os valores nunca foram reais. Era hype.
O impacto da política e a transparência como ponto-chave.
E aí entra a questão do alinhamento com a política. Quando CEOs de big techs aparecem em eventos como a posse de um presidente ou ajustam políticas internas para agradar líderes específicos, o recado fica evidente: os valores são negociáveis. E isso é perigoso.
O problema não é o modelo em si. Pode ser transacional ou baseado em valores. O ponto é a transparência. Seja qual for o estilo, a empresa precisa ser honesta com as pessoas. Não adianta vender a ideia de que “não é só sobre dinheiro” e depois virar a chave sem avisar. As pessoas preferem ouvir a verdade do que serem iludidas por discursos vazios.
A verdade é que, uma vez que você abre mão dos valores para seguir a onda do momento, é quase impossível reconstruí-los. Assim como reconquistar a confiança de um cliente insatisfeito, voltar a ser uma empresa de propósito custa caro – e nem sempre é viável.
O que fica no final?
Independente de lado político ou modinha do Vale do Silício, o que precisamos combater é a hipocrisia nas relações de trabalho. Empresas que mudam de postura para agradar políticos ou se alinham a tendências só para seguir o fluxo deixam claro o que sempre foi óbvio: o valor nunca foi real.
No final, as pessoas não querem perfeição. Querem clareza. Seja transacional ou idealista, basta ser transparente. Porque, no longo prazo, a transparência é a única coisa que sustenta qualquer relacionamento – seja entre empresa e funcionário, ou entre CEO e sociedade.
Sobre o autor: Danilo Ferreira, CTO com 20+ experiência atuando de startups a grandes corporações. Focado em liderança de times e construção da estratégia de tecnologia nas empresas.