Porquê o Scrum falha no Brasil
Trabalho com Scrum, desde 2008 no Brasil. A cultura brasileira é o aspecto mais difícil de se mudar no mindset das empresas. Ou seja, as…

Trabalho com Scrum desde 2008 no Brasil. A cultura brasileira é o aspecto mais difícil de se mudar no mindset das empresas. Ou seja, as empresas são compostas por pessoas e muitas dessas pessoas têm dentro de si uma maneira diferente de resolver os probelmas. Chamamos de jeitinho mas na verdade, é algo que está muito mais enraizado. Além do que se prevê em metodologias ou frameworks. Vou tentar alinhar essa constatação com algum embasamento histórico.
Cultura da Autoridade Inquestionável
Desde que o Brasil é uma colônia as coisas já vêm, de certa forma, formatadas para nós. Então já há uma forte tendência em não se esforçar para pensar se algo pode ser feito de uma maneira melhor. É só seguir a fórmula mágica já existente. Um dos maiores problemas disso é a famosa categorização das pessoas em pessoas que só “pensam” e as que só “executam”. Um modelo talvez vindo da época colonial ou oriundo de um mindset de linha de produção como fordismo.
Aqui deve ser feito uma observação: Se a empresa precisa ser dividida assim, pois as pessoas que executam não tem autonomia para sugerir melhorias então algo na cultura deveria mudar urgentemente. As pessoas são os maiores ativos da empresa. Logo, deve-se investir em trazer e compensar ($) pessoas críticas e inteligentes para pensarem, questionarem e executarem.
O grande problema dessa segmentação é conhecido: quem “pensa”, normalmente não executa. E quem pensa, desenha o fluxo de processo e como as coisas deveriam funcionar. Sem ter descido, de fato, no “chão de fábrica”, onde as coisas são materializadas. A pior parte desse fluxo é que questionar como funciona e o motivo de as coisas seguirem um fluxo, normalmente é recebido de uma maneira ofensiva: quem é essa pessoa para questionar isso? Uma derivação clássica do famoso termo usado em tempos de ditadura na Terra Brasilis: Você sabe com quem você está falando?
Uma das primeiras coisas que aprendi na filosofia Agile foi? “O medo fede”. Sem essa liberdade para se questionar e melhorar o que é feito, pouco pode-se evoluir e aprimorar o processo para evitar retrabalho ou ganhar tempo e enfim gerar mais dinheiro a empresa. Questionar é algo que está nas entranhas do ágil. É esse tipo de perfil que se procura para trabalhar com essa metodologia. Só assim se encontrará melhores soluções para entregar ao time, produto e empresa. Se esse medo nos limitar, será limitada a capacidade do Scrum penetrar e transformar a empresa. Temos que fugir desse pensanmento:
"O herói ganha uma estátua. Mas o covarde passeia com os netinhos."
Cultura de Planejar um Produto
Em poucas oportunidades, nos times de Scrum em que estava envolvido, tinha-se de fato um produto. Na maioria das vezes, tem uma lista de requisitos com algumas coisas novas, melhorias de outros serviços. Ou seja, nenhum conceito de MVP, lean inception ou fatiamento (slice) foi elaborado para se chegar a uma versão v1 do produto. Bem como, não há business values claros. O time é muito pouco envolvido com o produto, e sim responde a um departamento. Por isso, a própria ideia de compromisso entre time e produto é algo distante. O PO muda a cor de X para Y e eu tenho que perder meu final de semana?
Aversão à falha
Não temos uma cultura aqui que entende que o falhar é a outra face da moeda. Quanto mais falhar, mais próximo de chegar ao objetivo você está. Não se entende que só se chega a grandes objetivos tentando e falhando. Consistentemente analisando as falhas ocorridas, ajustando e mapeando novas estratégias e assim se aproximando do objetivo. Exemplo: aqui quando uma equipe de futebol sub 20 perde algo já é taxada de perdedora. Ninguém vê que essas derrotas são uma parte essencial para se ter um condicionamento mental para amadurecer e atingir um objetivo futuro.
Nas revistas corporativas, na esmagadora maioria só há matérias com empresários de sucesso que só contam meia história. Ou eles foram muito sortudos/privilegiados ou eles caíram muitas vezes e se levantaram para continuar lutando pelo objetivo. Mas há uma certa vergonha em se admitir publicamente as falhas. Dois grandes problemas com isso: se você não está falhando, você não está aprendendo. É assim desde que você é uma criança. Passo a passo. Outro ponto é que se cria uma visão equivocada de que se ganha sempre. E com isso não se incentiva as pessoas que erraram e estão buscando algo para mapear e tentar novamente.
"Se você não está falhando, não está aprendendo."
Confusão conveniente de personas
Nossa cultura não separa críticas profissionais de críticas pessoais. O ponto aqui é que retrospectivas viram uma piada. Se a pessoa com quem você trabalha chega atrasada sempre nas reuniões então você deveria falar o quanto isso impacta o seu trabalha ou quanto você poderia entregar mais se as coisas acontecessem conforme o combinado? Isso no papel mas as vezes a pessoa que você precisa criticar é aquela que te dá carona. Ou com quem você toma café. E aí as coisas se confundem aqui. Todo feedback corporativo é levado para o lado pessoal. E no final das contas, no Scrum a palavra mágica é transparência. Para os pares, para os superiores e para a empresa. Novamente, quando se alteram valores que estão no core de um conceito toda previsibilidade fica questionável.
Originalmente publicado em daniloferreira.com.br em 28 de janeiro de 2014.