A grande bolha: a hipervalorização dos profissionais de TI
O que acontece depois que a música para
Verdade seja dita, o mercado de tecnologia sempre foi aquecido. Mesmo em crises locais ou grandes marcos internacionais, a corrente da necessidade de desenvolvimento de tecnologia é muito mais forte. Trabalhar em startups pré-pandemia era sinônimo de ralação. Você teria que fazer muito mais do que o seu quadradinho em uma empresa tradicional. Regra fundamental: ganhar um pouco a menos ou, em raras exceções, um pouco a mais do que nas empresas grandes era o padrão, afinal era startup. Você sabia que estava trocando as partes que incomodam em uma empresa grande para entrar em uma empresa mais leve no sentido de estrutura e rigidez de grandes corporações. Então, o “suor” era obrigatório.
No entanto, algo mudou nesse mercado sendo amplificado durante a pandemia. Apesar de já ter trabalhado em startups em 2013 e em 2019, dessa vez o dinheiro para startups estava mais facilmente acessível. Quero dizer que não necessariamente apenas grandes planos de negócios com grandes P&Ls eram os que abocanhavam cheques gordos de investidores nacionais e gringos. O critério para lucratividade ou potencial lucratividade era uma zona bem cinza. No geral, a percepção era que se apostava em uma ideia com menos senso crítico em relação a parâmetros que sempre balizaram os investimentos. Afinal, o dinheiro estava “barato”. É importante reforçar que isso já era uma tendência antes da pandemia.
Recrutar desenvolvedores sempre foi uma tarefa difícil. Quando pensamos em desenvolvedores realmente talentosos fica ainda mais difícil. Não é por provas com código ou outro tipo de desafio bizarro, que sempre foi prática do mercado, que você acha um bom desenvolvedor. Assim como qualquer profissional, há um coeficiente técnico e um conjunto de soft skills que compõem esse racional. Lembram que eu disse, que trabalhar numa startup era muitas vezes ganhar menos do que o mercado pagava? Então, depois de 2019-20, foi o oposto: necessariamente agora estamos falando de oferecer mais para atrair talentos (ou, na verdade, comprar o risco de sair de uma suposta estabilidade em uma empresa grande).
A fórmula até poderia dar certo se tivéssemos 10 ou 15 startups no mercado. O problema é que o número era na ordem de centenas ou talvez milhares. Isso só em São Paulo. Agora, imagine no Brasil. E sim, depois da quarentena, o melhor tempero: imagine com todas as empresas do mundo competindo entre si em busca daqueles 20% de desenvolvedores bons. Não importando se era a startup early-stage ou uma gigante do mercado de TI.
Porém, faça a conta comigo: se cada empresa está pagando um tantinho a mais, cada vez mais, em muito pouco tempo (meses) um profissional de TI estava ganhando o dobro do que ganhava. Isso a curto prazo. Hoje, 3 anos depois desse período, estamos pagando o triplo ou muito mais do que se pagava antes (não importando se o profissional é júnior, pleno ou sênior).
Aqui um pequeno grande detalhes entra em cena. Eu já havia escrito em 2018 sobre o tratamento especial que se estava dando aos profissionais adultos de TI e se assemelhava a uma infantilização perigosa. Somando isso com pagar o dobro ou o triplo do que ganhavam em 2018. Boom… bolha Tech.
O grande problema disso, olhando de dentro da privilegiada bolha, é que a música ia parar e a festa iria acabar. As massivas demissões que estamos vendo agora nada mais são que um reflexo do insustentável (e muitas vezes sem nenhum respaldo técnico de avaliação de risco) otimismo que houve nos últimos anos em relação a investimento em empresas.
Do ponto de vista geopolítico: assim como a pandemia foi só o marco de onde a tendência ganhou mais força, a guerra da Ucrânia e Rússia veio do lado oposto, para acabar com a festa que começou lá em 2018. Após fevereiro de 2022, ficou claro que algo iria mudar na economia com uma guerra se arrastando por muito tempo. O impacto nos preços dos combustíveis iria desencadear um aumento em vários outros bens de primeira necessidade. Dado esse cenário, entre comprar gasolina, leite ou gastar dinheiro em e-commerce, talvez a população iria ter que fazer escolhas. Maus presságios para os Estados Unidos, e maus presságios para a Europa toda.
Atenção, muitas vírgulas e parenteses que existem nessa frase aqui: “nunca foi um problema pagar bem um profissional de TI que fazia a diferença”. Perdeu-se o crivo importante: não é todo mundo que faz a diferença. Pagar a mais era para recrutar talentos. Mas nem todo mundo era talento. No entanto, no mundo encantado de recrutamento de tecnologia, todo mundo (e toda empresa) era especial. Todo mundo merecia ganhar a mais do que a média. Quando, na verdade, não é assim. Confundiu-se também senioridade, mas principalmente maturidade e profissionalismo dessas pessoas que estavam sendo contratadas a peso de ouro.
Uma hora a realidade chega e o óbvio acontece. Então, chegou a hora.
Estamos pagando hoje para profissionais beirando a mediocridade (sendo muito generoso) em maturidade, profissionalismo e senioridade questionáveis, o tanto quanto se paga para gerentes de outras áreas.
Reforço, nunca foi um problema pagar para desenvolvedores um bom valor (ou outros profissionais de TI em geral, mas nesse caso estou falando sobre desenvolvedores). Esses profissionais de fato são muito diferentes e o impacto de um bom software ou um software medíocre é gigantesco a médio e longo prazo para empresas. Isso era um problema antes (pagar média para baixo profissionais bons). Mas agora estamos no outro lado. Os profissionais que as empresas estão contratando na gigantesca maioria das vezes tem baixa ou nenhuma maturidade, ou profissionalismo em relação ao compromisso com o básico. Nesses tempos, coletivamente, fomos responsáveis por gerar essa distorção na realidade.
O que estamos vivendo agora é somente a correção do curso normal do mercado pendular. Estávamos vivendo em uma normalização do desvio. A curva nunca foi a curva normal e a correção parece natural agora. Isso deve significar que vamos pagar menos para devs? Acho muito cedo para a previsão de “pagar menos”, mas com certeza a competição de quem “paga mais”, vai parar.
Como sempre nesse tipo de post é importante dar um aviso padrão: esse texto é isento de verdades absolutas. É somente a minha opinião, como um profissional de 20+ anos na indústria da tecnologia e um ex-desenvolvedor de software e que viveu sua vida profissional entre empresas grandes e startups. Você concorda? Discorda? Há pontos cegos nessa análise? Comente :)
É uma dura realidade. A escassez de profissionais de tecnologia para suprir a demanda proporciona que grandes distorções aconteçam. Uma das matemáticas mais importantes que se buscam equacionar atualmente é como seniorizar um profissional júnior em um timeline de tempo cada vez menor. A empresa que conseguir fazer isso, vai Brilhar. No final, uma empresa com uma ótima cultura de desenvolvimento e formação de profissionais tende a ter um turnover menor e uma melhor sustentabilidade no médio-longo prazo. Existem muito mais variáveis do que só a remuneração, embora ela seja fator fundamental na tomada de decisão de um profissional na migração de empresas.
Excelente post, Danilo. Nos faz refletir!
Acho que a defasagem de desenvolvedores realmente profissionais (que entregam no dia a dia) tem gerado essa bolha, vide a pesca que ocorre no Linkedin por essas pessoas. No fim ter feito um curso de seis meses em algum EAD já dava margem para a pessoa um salário de cinco dígitos, sem mimamente ter mostrado na prática o que essa pessoa realmente consegue entregar em um médio e curtto prazo.
Outra reflexão é quanto as pessoas estão buscando benefícios cada vez mais "exagerados" no momento da contratação. Sinto que estamos negociando com estrelas do rock em alguns momentos.